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Perfil sociológico dos vocacionados de hoje

11.01.2012

Entre os dias 07 e 10 de junho de 2007 ocorreu no Centro Rogate do Brasil, em São Paulo (SP), o Simpósio de Estudos do Instituto de Pastoral Vocacional (IPV). Com tema: “Perfil sociológico dos vocacionados de hoje”, com assessoria da professora adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Sílvia Regina Alves Fernandes. Membro da Associação dos Cientistas Sociais do Mercosul, professora Sílvia Regina elaborou um artigo sobre o tema especialmente destinado à revista Rogate. O texto possibilitará aos animadores e animadoras vocacionais ter uma visão panorâmica desta pesquisa sociológica, a ser apresentada aos representantes dos institutos que fazem parte do IPV.

Introdução

A visita do papa Bento XVI ao Brasil neste ano de 2007 provocou inquietação na mídia, que privilegia especialmente dois aspectos da conjuntura religiosa: 1) o pluralismo religioso e a conseqüente perda de fiéis da Igreja Católica; 2) a juventude como segmento que merece a atenção especial do papa.
Em relação ao primeiro aspecto, a ênfase recai sobre o avanço das igrejas pentecostais e neopentecostais, e no quanto esse avanço ameaça o catolicismo no país. Quanto ao segundo aspecto, discute-se os perfis dos jovens católicos com uma ênfase midiática nos segmentos mais afinados com as orientações oficiais do catolicismo e nos jovens participantes dos novos movimentos religiosos, do tipo Renovação Carismática Católica (RCC). Além disso, aborda-se a crise de vocações, visto que Bento XVI encontra a equação de um padre para cada 10 mil habitantes em 2006, o que representa a existência de 18.682 padres no país.
O tema da juventude é uma preocupação crescente da Igreja Católica a ponto de ter pautado a 44ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em maio de 2006. Há que se considerar a existência de uma crise de herança ou transmissão religiosa do catolicismo às novas gerações. Assim, os jovens tendem a se declararem católicos até que sejam atraídos por alguma espiritualidade nova e/ou igreja com um discurso mais centrado nas demandas individuais, sejam estas de ordem subjetiva ou objetiva. Um estudo realizado no município do Rio de Janeiro (RJ)1 indicou que os jovens católicos não praticantes estão concentrados nas classes mais altas (A\B) e os praticantes na classe C. Isso significa que a socialização primária no catolicismo tem ocorrido principalmente nas camadas média-baixa e baixa, ou nos chamados estratos populares. Esse dado, entretanto, precisaria ser matizado com informações de outros municípios do país. Considerando, porém, que os jovens que procuram o sacerdócio são provenientes das camadas populares, estima-se que o catolicismo tem se reproduzido nessas camadas populacionais e encontrado menor capacidade de atração junto às novas gerações das camadas médias. Este texto apresenta sinteticamente dados de minha pesquisa de doutorado realizada no ano de 20042 de modo a delinear alguns perfis de rapazes e moças que atualmente optam pelo ingresso na vida religiosa e sacerdotal.

Caracterizando os entrevistados

A pesquisa abrangeu rapazes do seminário diocesano do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias (RJ). A idéia de entrevistar jovens ligados a seminários diocesanos de duas dioceses com orientações pastorais diferentes objetivou perceber se as motivações vocacionais estariam informadas pelo discurso sócio-religioso da Teologia da Libertação - mais afinado com a trajetória da diocese de Caxias -, ou por um outro - de orientação mais tradicional -, característico da diocese do Rio de Janeiro.
Optei por entrevistar jovens de diferentes ordens religiosas3  bem como em diferentes etapas da formação para o ingresso. Entre os rapazes temos um total de sete que estão vinculados a institutos religiosos e nove que estão vinculados às dioceses, totalizando 16 entrevistados. No caso das moças, procurei diversificar as congregações religiosas, mas todas as entrevistadas pertenciam a congregações de vida ativa.
Foram entrevistados 35 jovens, sendo 19 moças e 16 rapazes. Encontrei maior dificuldade no contato com os rapazes por apresentarem menor disponibilidade de tempo, justificada pelo período de dedicação aos estudos semanais. E mesmo nos fins de semana muitos realizavam atividades pastorais, não se colocando disponíveis para a realização das entrevistas.
Os rapazes entrevistados apresentam idade média (25 anos) um pouco superior às moças (24 anos). Em ambos os grupos, porém, se percebe a predominância da camada popular, categoria construída a partir das informações sobre renda média familiar, profissão e nível de escolaridade dos pais. No grupo de rapazes, dois deles são provenientes da camada média, e entre as moças, apenas uma era proveniente de camada média.4
Quanto à escolaridade, entre as moças há quatro casos com nível superior ou superior incompleto e uma delas possui apenas o Ensino Fundamental, devendo iniciar Ensino Médio após a realização dos primeiros votos religiosos. Entre os rapazes, sabe-se que para a ordenação sacerdotal o nível superior é indispensável, portanto, todos estão concluindo ou concluíram o nível superior em Filosofia ou Teologia.

Juventude e problemas sociais:
o olhar dos jovens religiosos e religiosas

A sociedade deposita inúmeras expectativas nos jovens. Como já observado por alguns analistas, as condições sócio-culturais e biológicas dos jovens os colocam como um dos segmentos sociais mais expostos às críticas e aos dilemas vividos pela sociedade como um todo. Os jovens funcionam como uma espécie de termômetro da vida social porque neles são depositadas as esperanças, ansiedades e medos de toda a sociedade. A relação que estabelecem com o tempo passa a ser mais complexa em condições de modernidade, sobretudo em nossa sociedade, onde principalmente os jovens pobres precisam ser “criativos” para sobreviver. Por outro lado, a juventude dos estratos sociais mais elevados também vive uma crise relacionada com o desemprego, o afastamento ou negligenciamento dos pais, a dispersão etc.
Os entrevistados em minha pesquisa reproduzem o discurso da sociedade mais ampla sobre o segmento juvenil. Muitos vêem a juventude como “problema” e, de forma curiosa, não se incluem nesse segmento.

A visão das moças entrevistadas

As opiniões das candidatas à Vida Religiosa não diferem significativamente quanto às representações sobre a juventude. O discurso dessas moças é marcado por duas linhas: uma que possui um tom mais acusatório, na qual o jovem é visto como consumista, desintegrado, imediatista, sem um senso religioso etc.; e outra em que o jovem é reconhecido em suas potencialidades, embora, segundo algumas, falte no atual sistema a igualdade de oportunidades. Esta desigualdade social levaria a juventude, na visão das entrevistadas, ao mundo das drogas, à violência social, à falta de perspectivas, à busca desenfreada de compensações.

Os jovens de hoje eu vejo que eles estão assim muito sem crença. Não respeitam pai, não respeitam mãe. Estão vivendo como se eles fossem sozinhos, que podem fazer, assim, tudo o que quiserem, [...] acabam com a vida do outro assim brincando, como se nada pra eles tivesse valor. Eles perderam o valor da vida, não sabem o que é a vida.[...] Acho que eles não têm gosto pra nada, é só viver a vida, a extravagância deles (Rose, 31, noviça).5

Quando o assunto em pauta relacionou-se a temáticas sociais as moças demonstraram maior preocupação. Para elas, uma das questões sociais mais inquietantes é a fome, associada à idéia de miséria em alguns casos; o desemprego, as desigualdades sociais/regionais e a violência. Dentre 19 entrevistadas, 14 estabelecem relação entre sua missão vocacional e o trabalho em prol de mudanças sociais. Foi comum nesse grupo o auto-questionamento sobre sua ação diante do quadro social do país.

Olha, o que mexe muito comigo é essa questão da má distribuição de renda, da questão geral. Tem horas que você vê o pobre cada vez mais pobre. [...] A gente sai pelas ruas e vê a questão do pobre. Num todo geral, é a dignidade do ser-humano, de não ter uma moradia digna; estudo; trabalho; alimentação e eu vejo que isso mexe muito comigo porque parece que você está de mãos atadas, né. E você vê que é isso! É muito gritante no nosso objetivo, se consagrar em prol do outro, da justiça [...] (Miranda, 23, noviça).

Visão dos rapazes entrevistados

De forma semelhante às moças, a visão que os rapazes possuem da juventude é pessimista ou traz o tom acusatório ressaltado anteriormente. Contudo, talvez esta crítica se radicalize no sentido de que raramente balanceiam a própria opinião ou tratam da juventude de maneira menos genérica, como fizeram algumas moças. Entre os seminaristas, em relação a essa temática, podem-se obter alguns grupos:

a) pessimistas radicais
Os que têm uma visão profundamente pessimista da juventude e não apontam muitas saídas. São cinco os que assim se posicionaram, sendo três ligados a institutos religiosos e dois vinculados aos seminários diocesanos.

Coitados! Os jovens brasileiros, hoje, carentes de educação, carentes de formação. [...] Porque o desestruturamento da família... então esses jovens não têm uma certa formação. Informação eles têm, até a maioria das informações erradas por parte da mídia... (Josué, 34, religioso, Filosofia).

b) pessimistas moderados
Os pessimistas moderados, com ênfase na pertença religiosa, são os que vêem os jovens como sendo afastados de Deus, imediatistas ou sem senso religioso, como indicaram as moças.6 São quatro os que possuem esse discurso, sendo três religiosos e um diocesano.

Perdidos! Jovens que têm ânsia e não sabe o quê que quer, não se sabe o que se quer, profissionalmente, afetivamente, não se sabe, não se sabe. Têm sede e não se sabe do que (Walmar, 34, diocesano, Teologia).

c) otimistas
Em menor escala há os que possuem um tom menos acusatório e não atribuem culpa aos jovens pela situação social na qual se encontram. São apenas dois seminaristas que assim se posicionam (um religioso e um diocesano). Mostram-se, portanto, mais otimistas e crentes em uma possível mudança no quadro social da juventude brasileira.

[...]. Não adianta você falar da sua nuvem que o jovem não vai te atender, o jovem não vai seguir seus conselhos porque ele é alguém tentando acertar no meio de muitas impressões [...]. Então eu gosto muito dos jovens (Jonas, 27, religioso, Filosofia).

d) pessimista moralista
Há os que possuem um discurso marcado por uma forte moralidade quando se referem aos jovens, tocando em temas como cooptação pela mídia, falta de “santidade” e ausência de limites. Três seminaristas assim se posicionaram, sendo os três ligados aos seminários diocesanos.

As pessoas costumam dizer que a juventude é o futuro do país. Eu acho que se essa juventude for o futuro do nosso país a gente tá de mal a pior, [...] porque os jovens estão muito despreparados, muito desorientados, completamente envolvidos por uma mídia onde se prega, em novelas, a destruição completa da família [...] (Marcos, 24, diocesano, Filosofia).

Entre os rapazes entrevistados há os que realizam trabalhos pastorais diretamente com a juventude. Pode-se notar que, nos grupos que vimos, as categorias “religioso” ou “diocesano” não apresentam grandes diferenças no discurso sobre a juventude brasileira, porém deve-se destacar que, no último grupo, em que os rapazes apresentam um discurso mais moralista, tem-se apenas a presença de jovens diocesanos e todos tiveram experiência nos grupos de RCC. No Brasil, vários analistas identificam que a RCC possui um traço de reforço da doutrina católica, especialmente no campo da sexualidade. Seus adeptos apresentam um perfil menos questionador da doutrina neste campo, e buscam uma adequação de seus modos de vida a tal doutrina.
Em relação a questões sociais do país, um dado que diferencia o grupo feminino do masculino é que enquanto a maioria das moças entende sua missão vocacional como uma forma de atuar na transformação da sociedade em algumas esferas, o grupo de rapazes se apresentou relativamente dividido no estabelecimento dessa relação. E os que mencionam questões sociais voltam a focar na juventude e pretendem atuar junto a esse segmento, que consideram “sem expectativas” ou “sem perspectivas”.

Motivações e breves conclusões

Enquanto no discurso dos rapazes sobressai a necessidade de buscar a santidade, no discurso feminino sobressai a dimensão do serviço aos outros. Em ambos os grupos identificaram-se a necessidade de diferenciação numa sociedade que tende a homogeneizar os jovens. Quanto mais avança o processo de globalização nas diferentes esferas da vida, mais os grupos tendem a reforçar identidades. Assim também ocorre com os jovens católicos que procuram a vida religiosa e sacerdotal. Tanto as moças quanto os rapazes mencionaram que identificaram em suas vidas alguns “sinais” da própria vocação. Esses sinais tanto podem ser eventos cotidianos como desejos e inclinações mais subjetivas, não necessariamente atribuídas a fatos concretos.
Os jovens que procuram a vida religiosa e sacerdotal hoje tendem a concentrar esforços no desenvolvimento dos estudos, da espiritualidade e, especialmente o grupo masculino, apresentou-se menos inclinado ao engajamento em projetos focados na transformação social. Os diocesanos do Rio de Janeiro demonstraram menor capacidade crítica no que se refere a aspectos da doutrina e estrutura da Igreja Católica do que os diocesanos de Duque de Caxias. Em relação aos religiosos, observamos aproximações com os discursos dos diocesanos, revelando possível alteração no ethos mais progressista que durante décadas passadas pautou parte do clero religioso. O trabalho na íntegra contém vários elementos que favorecem a compreensão dos jovens vocacionados nos dias atuais.

Notas e referências bibliográficas:
1 MELLO, Cecília & NOVAES, Regina. Jovens do Rio; circuitos, crenças e acessos. Comunicações do ISER, nº 57- Ano 21. Rio de Janeiro, ISER, 2002.
 2 FERNANDES, Sílvia Regina. “Ser padre pra ser santo”, “Ser freira pra servir”; a construção social da vocação religiosa - uma análise comparativa entre rapazes e moças no Rio de Janeiro. Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ, 2004.
 3 Por motivos éticos, não poderei citar os nomes dos institutos religiosos visitados para a realização das entrevistas. Entre os femininos foram visitados cinco institutos, todos no Rio de Janeiro (RJ). Entre os masculinos foram visitados três institutos religiosos e dois seminários diocesanos, no Rio de Janeiro (RJ) e em Duque de Caxias (RJ).
 4 Um rapaz, filho único, cujo pai é representante de vendas com renda estável, embora morador de um bairro da zona norte; um rapaz cujo pai é médico; e uma moça de família proveniente da zona sul da cidade, filha de mãe pedagoga e pai alocado na Marinha Brasileira.
 5 Os e as informantes estão com nomes fictícios. Idade e período de formação são reais.
 6 Vale notar que, embora proporcionalmente diferente, o número de moças e rapazes que assim se posicionam é o mesmo, ou seja, quatro em cada grupo (feminino e masculino).

Fonte: Revista Rogate de animação vocacional, Ano XXVI - nº 253 - Jun/Jul 2007, p. 11-16


Sílvia Regina Alves Fernandes